Paulo Coelho tem a voz estranha na estréia de "Eterna Magia"; abertura lembra "Liga da Justiça"
Tramas em cidades pequenas ou de interior têm uma capacidade grande de apagar quaisquer resquícios de data, fazendo com que, imersas em diálogos e situações muito próprios daquele lugar ou época, as histórias sejam tão-somente atemporais. Sozinhas, perdidas. É aí que entra a obrigação do autor, de localizar o telespectador, em não deixar nada perdido, faltando, tenha o bonde sido pego desde ou início ou no meio do caminho. Eterna Magia, nova novela das seis da Globo, que estreou nesta segunda-feira, passou seu primeiro capítulo inteiro sem dar uma pista de qual seria o tempo em que estava ambientada sua trama, seja a década que for. Na única hora em que aconteceu, quando um padre falava, o ator parecia ter uma cebola na boca – não entendi uma palavra. Juro que prestei atenção descomunal ao figurino, aos cenários, e embora tudo parecesse um pouco antiquado, eu lembrei que interior apaga sinais de tempo em novelas – e a visão de exterior da Globo (Irlanda) não ajudou em nada, também. Fiquei perdido. Com aquelas roupas, dava para ser anos 50 ou anos atuais.
Esse foi o grande problema da estréia, basicamente. O resto foi comedido e ordinário. O passo que a novela está dando nessa proposta mística, religiosa, que O Profeta e, anteriormente, Alma Gêmea, já tinham começado, é gigante, e arriscado. Há, aqui, uma visão retrógrada da Igreja Católica, e um engrandecimento de tudo aquilo que é esotérico, contando com a já antológica presença de Paulo Coelho, autor “best seller”, mundialmente conhecido, guia turístico do Fantástico, autodenominado “mago” e que, nessa novela, interpreta um personagem que, pela introdução que a personagem de Cássia Kiss fez, é um tanto quanto egocêntrico. Vive brilhando, um quase-anjo, e proclamando frases de auto-ajuda (tiradas de seus livros, quem sabe?), olhando direto pra câmera (nem preciso falar que não funciona) e com a voz engraçada.
Mas tudo indica que a emissora quer arriscar, e, portanto, faz muito sentido cada pedaço místico da trama. É subjetiva a idéia de gostar ou não disso, cabendo a mim apenas aceitar. Diferentemente de O Profeta, em que a trama e a abordagem espírita eram igualmente quadradas e óbvias, aqui há algo mais absurdo. Veja a abertura, por exemplo. Levante a mão quem não achou que algum superherói ou um sabre-de-luz fosse aparecer após aquele distintivo da Liga da Justiça Mística (o “símbolo” da novela) ser explorado minuciosamente na tela. Enquanto Maria Flor é a mocinha apaixonada por Thiago Lacerda que em breve vai sofrer nas mãos de Malu Máder (nesse primeiro capítulo, com uma maquiagem estranha. Os olhos pareciam sem vida), ela também corre praquelas montanhas aonde personagens de novela de época da Globo sempre andam de cavalo (já vi isso, no primeiro capítulo de O Profeta, até) e encontra um mago (Paulo Coelho) que lhe dá sinais sobrenaturais. Esse absurdo é misturado nos personagens, e com toques irlandeses, o que me agrada (o elemento cultural estrangeiro pode engrandecer o que seria banal, caso local).
Já que a novela tem essa proposta absurda-sobrenatural, que a leve a sério, faça algo que não seja brincadeira, mostre beleza através de paisagens, de diálogos e cenas, de situações, de gente. Que tenha um conceito. Elizabeth Jhin, a autora, não tem um currículo impressionante, constando nele obras em que ela normalmente foi co-autora ou uma das roteiristas. Silvio de Abreu (autor da melhor novela da década, até agora – Belíssima) está aí como supervisor de texto, que pouco faz, mas pode ajudar nos detalhes. E ajudar, nesse caso, significa não deixar a novela se perder com personagens por demais caricatos (a nordestina) ou sombrios (Irene Ravache). É não deixar a obviedade inflar a trama com mais clichês que o necessário pede. Enfim, não deixar a novela pesada demais, inviável, uma piada. Entre ser pior do que a média e ser mais uma, melhor a segunda opção.



2 comentários:
análise clara, parabéns
Tem certeza de que assistiu ao primeiro capítulo mesmo?? Pois apareceu claramente "Minas Gerais, 1938", portanto, parte de sua crítica perdeu o sentido.
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